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O estado das condições carcerárias no Estado do Rio Grande do Sul, está realmente caótica, trazendo aos advogados operadores do direito enormes dificuldades, principalmente com os réus presos, que necessitem de progredir no regime, de fechado para o semiaberto. Em despacho para a progressão de uma cliente, assim se manifestou o Doutor Sidinei José Brzuska:

“Vistos.

Diante do advento da Lei nº 10.792/2003, que conferiu nova redação ao artigo 112 da Lei de Execuções Penais, e por estarem preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo necessários à progressão de regime carcerário, este último devidamente comprovado pelos documentos acostados, defiro ao apenado a progressão de regime ao semiaberto.

Outrossim, porquanto implementados os requisitos, nos termos dos arts. 122 e 123 da LEP, defiro a saída temporária, devendo ser observado o Provimento nº 02/2015-VEC/POA, inclusive no que tange ao período mínimo de permanência no estabelecimento prisional para gozo do benefício, que deverá ser de 30 dias.

É fato notório que a SUSEPE não cumpre as ordens de progressão de regime, por ausência de vagas. Pelo menos desde o ano de 2007, problemas estruturais e a falta de investimento pelo Poder Público vem sendo constatados pelo Juizado da Fiscalização de Presídios da VEC/POA. Atualmente, no âmbito das VEC de Porto Alegre, existem aproximadamente 2.800 presos com penas ativas, nos regimes semiaberto e aberto, enquanto que as vagas disponíveis são inferiores a 500.

O problema da falta de vagas nos Institutos Penais há longa data aflige a execução penal da capital. Inúmeros alertas foram emitidos ao Poder Executivo chamando a atenção para a necessidade e urgência na construção de casas prisionais para viabilizar o atendimento à crescente demanda de presos.

Diversas medidas foram tomadas pelos juízes da VEC-POA visando sanar a precariedade estrutural dessas unidades, a redução do número de vagas e a consequente superlotação dos estabelecimentos penais que, no mais das vezes, operam com capacidade incompatível com o número de apenados que nelas deveriam ingressar. Muitas dessas medidas foram requeridas pelo próprio Ministério Público.

Esse quadro culminou em decisões judiciais determinando a interdição parcial ou total de casas de regime aberto e semiaberto da VEC Porto Alegre.

Os pedidos de intervenções começaram em 11 de novembro de 2009, quando os promotores atuantes na Comissão de Execução Criminal do Ministério Público, responsáveis pela fiscalização das casas prisionais jurisdicionadas pela VEC Porto Alegre, cientes desse cenário caótico, postularam a interdição de todas as casas prisionais de regime aberto e semiaberto. Na época existiam cerca de 877 presos recolhidos no regime fechado indevidamente. Até aquela data, os Promotores de Justiça observaram que pelo menos 2.134 intimações pessoais haviam sido expedidas ao Superintendente da SUSEPE, alertando-o acerca do descumprimento das decisões judiciais que determinavam as remoções, sem que nenhuma providência por parte dele tivesse sido tomada.

O pleito ministerial foi acolhido em 27.11.2009 pelo Juizado da Fiscalização da VEC/POA, oportunidade em que foi determinada a interdição parcial e temporária das casas prisionais jurisdicionadas pelo Juizado correlato. Naquele tempo, tinha-se competência também das casas da Vara de Execução Criminal de Novo Hamburgo-RS (igualmente interditadas na oportunidade, pelas mesmas razões).

O pedido de interdição do Ministério Público, bem como a decisão judicial determinando efetivamente a interdição das casas prisionais de regime aberto e semiaberto da VEC-POA conceberam o expediente (hoje com 24 volumes – mais de 5.600 páginas) nº 008/2009 pertencente ao Juizado da Fiscalização de Presídios, cujo surgimento se deu diante da necessidade de compilar toda a documentação referente ao problema da falta de vagas.

Com o passar do tempo, diversas tentativas de resolver a demanda por falta de vagas foram tomadas pelo Juizado da Fiscalização de Presídios da VEC/POA. Em alguns casos, inclusive, as interdições foram suspensas ou revogadas, motivadas por promessas de solução dos problemas feitas pela SUSEPE. Essas promessas, porém, acabaram não sendo cumpridas e ensejaram o restabelecimento dos decretos interditórios.

Em reunião ocorrida em 16 de julho de 2010 realizada na Corregedoria Geral de Justiça, com a presença do Superintendente da SUSEPE e participação de várias autoridades, houve a proposta de locação de prédios em condições para abrigar presos dos regimes semiaberto e aberto. Contudo, o que se viu posteriormente foram algumas propostas de locações de prédios que não possuíam condições, legais ou estruturais, para cumprir a finalidade de abrigar apenados. Em decisão proferida em 30 de julho de 2010, a pedido do Ministério Público, o juízo da fiscalização da VEC/POA não aceitou a locação do prédio indicado naquele momento pela SUSEPE e prorrogou o prazo para que esta comprovasse que a edificação estava apta a receber apenados no regime semiaberto. A providência determinada, até o momento não se concretizou.

Além de decisões como as já referidas, foram adotadas outras alternativas para advertir o Poder Executivo, como forma de dar prosseguimento ao enfrentamento dos problemas apontados e chamar a atenção das autoridades máximas das instituições envolvidas. Como exemplo, cita-se o Ofício nº 83/12 de 28 de maio de 2012, emitido pelo Juizado da Fiscalização e destinado ao Desembargador Presidente do CONSEP, dada a ausência de retorno da SUSEPE:

“(…) a posição do Juiz da Fiscalização dos presídios apresenta-se bastante delicada, pois cumpre sua função e determina o fechamento das casa que não tem condições de operar, o que deixaria centenas de presos em situação irregular no regime fechado ou nada faz e mais adiante fatalmente será chamado a responder pela omissão.

Preocupa, por fim, o comportamento da administração penitenciária que, em prejuízo da sociedade e da segurança pública, aparamente está economizando em cima do caos e das decisões judiciais de soltura de presos por falta de vagas e condições”.

O ofício terminou com o pedido expresso de intervenção do Presidente do CONSEP “com vistas ao encaminhamento de solução para o problema aqui tratado”. Com base nesse pedido, em 15 de outubro de 2012, o Corregedor Geral da Justiça em exercício enviou o Oficio nº 2228/2012-CGJ/TJRS ao Governador do Estado. O documento foi ratificado integralmente mais tarde pelo presidente do Tribunal de Justiça, em 2014, por meio do ofício nº 152/2014-SECPRES.

Como efeito colateral das inúmeras providências remediadoras adotadas pelo Juizado da Fiscalização de Presídios da VEC/POA, que detém competência para inspecionar e fiscalizar in loco os estabelecimentos prisionais – conforme previsto no artigo 5º, § 1º, da resolução nº 986/2013-COMAG, atendendo o disposto no artigo 66, inciso VII, da Lei de Execuções Penais –, os presos recolhidos no regime fechado progredidos de regime passaram a não ser mais removidos, em decorrência da redução de vagas, hoje quase inexistentes.

Hoje, as seguintes casas prisionais de regime semiaberto são jurisdicionadas e fiscalizadas por Porto Alegre: Instituto Penal Padre Pio Buck, Instituto Penal Irmão Miguel Dario, Instituto Penal de Canoas, Instituto Penal de Charqueadas, Instituto Penal de Gravataí e a Fundação Patronato Lima Drummond.

Outrossim, o Instituto de Monitoramento Eletrônico da Região Metropolitana não representa vagas físicas, mas sim espécie de sistema em que a pena é cumprida com a utilização da tornozeleira eletrônica, sendo possível a delimitação da área de circulação (zona de inclusão) e, por conseguinte, a fiscalização dos locais e horários que o apenado pode encontrar-se fora de sua residência. A própria Divisão de Monitoramento Eletrônico (tornozeleira) da SUSEPE, em algumas ocasiões – como no caso de descumprimento das condições ou rompimento da tornozeleira -, informa à VEC que deixou de cumprir mandado de prisão por falta de vagas no regime semiaberto.

Em 18/01/2016, a SUSEPE prestou informações declarando que o Instituto Penal Padre Pio Buck foi fechado para reforma, ou seja, de plano, ao menos 370 vagas estão inativas.

As demais unidades prisionais, sobre as quais a VEC-POA possui competência fiscalizadora, assim se apresentam:

O Instituto Penal Irmão Miguel Dario foi atingido por dois incêndios, o primeiro em 2010 e o segundo em 2014, sendo estabelecido teto em 80 vagas em virtude da falta de estrutura do prédio e de segurança dos apenados que lá se encontravam.

O Instituto Penal de Canoas tem capacidade de engenharia de 85 vagas. Trata-se  de estabelecimento prisional com pouca estrutura física, às margens da BR 116, sem condições estruturais para que ali se coloque maior quantidade de presos.

O Instituto Penal de Charqueadas, a pedido do Ministério Público, foi parcialmente interditado com teto de 150 vagas, as quais costumam fica completamente preenchidas.

O Instituto Penal de Gravataí, um pequeno prédio localizado ao lado da Câmara de Vereadores daquela cidade, em virtude de condições precárias de segurança, teve teto fixado em 60 apenados, cujo limite vem sendo respeitado.

Finalmente, a Fundação Patronato Lima Drummond tem capacidade para 76 presos. Normalmente, ali, existem algumas poucas vagas, as quais são destinadas a presos com perfil trabalhador e sem facção, preenchidas depois de prévia entrevista para fins de admissão, sendo que as referidas vagas, portanto, não podem ser consideradas, pois estão  estão na pendência da realização das entrevistas, havendo inclusive fila de espera. Nesse ponto, merece ser ressaltada a importância e conveniência da delimitação de perfil dos presos, uma vez que dentro do sistema prisional existe uma pluralidade de pessoas condenadas por motivos completamente diversos e níveis de identificação com a criminalidade igualmente distintos. Fazendo a definição de perfil, objetiva-se propiciar uma oportunidade àqueles apenados que não tenham vinculação com as facções criminosas e verdadeiramente cumprir a pena sem que para tanto sejam subjugados por aqueles que pensam o contrário.

Acrescente-se aos números acima que aproximadamente 500 apenados se apresentam semanalmente na SUSEPE em busca de vaga nas casas prisionais compatíveis com seus regimes, a partir de decisão que defere permissão especial de saída do regime fechado, a fim de que pessoalmente busquem a inserção em casa prisional compatível, pois há muitos anos a SUSEPE deixou de cumprir as ordens de progressão, de modo que os detentos apenas conseguem sair do regime fechado com essa medida. Na maioria das vezes, os apenados em situação idêntica acabam tendo que ir pra casa e retornar na semana seguinte novamente, às vezes durante meses, pois as vagas não lhes são proporcionadas.

Em fevereiro de 2016, foram solicitadas pelo Juizado da Fiscalização de Presídios da VEC/POA algumas informações atualizadas à Divisão de Controle Legal (DCL) da SUSEPE para averiguar se houve alguma alteração no contexto de falta de vagas. Em resposta, o Diretor em exercício da DCL afirmou que “não existem vagas” nas casas de regimes aberto e semiaberto da região metropolitana de Porto Alegre. Na sequência, referiu  existirem 140 presos recolhidos irregularmente no regime fechado por falta de vagas no regime semiaberto ou aberto.

A demonstração da gravidade e da extensão do problema relacionado às vagas consta no pedido sui generis formulado pelo Delegado de Policia da DECAP/DEIC, no dia 22 de janeiro. No documento, o requerente evocou os direitos humanos para solicitar que o Juizado da Fiscalização da VEC/POA determinasse à SUSEPE o recebimento de três apenados recapturados na rua em casa prisional do regime semiaberto, pois a Delegacia não teria condições físicas de permanecer com eles e o local pré-estabelecido para isso – Instituto Penal de Charqueadas – estava negando o recebimento dos detentos devido a sua superlotação.

Esta é, pois, a realidade das casas prisionais jurisdicionadas pela VEC-POA.

Diante de todo o exposto, fica evidente que a falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto é uma realidade que vem recebendo atenção da VEC-POA desde quando constatada – nos idos de 2006/2007. A criação de novas vagas e manutenção das vagas existentes para esse fim sempre foi tratada como questão prioritária pelos Magistrados da e Juizado da Fiscalização da VEC/POA, porém, sem retorno do Poder Executivo – a quem cabe reativar vagas perdidas e construir as novas -.

Não há, portanto, vagas nos regimes semiaberto e aberto na região metropolitana de Porto Alegre. E é de fácil constatação que não há qualquer modificação no quadro caótico que acomete o sistema prisional, bem como que a perspectiva não se mostra positiva.

Conforme se infere da informação encaminhada pela Divisão de Controle Legal da SUSEPE, atualizada diariamente (em anexo), o sistema prisional carece de 1488 vagas no regime semiaberto da Região Metropolitana – jurisdicionada pela VEC/POA.

Nesse contexto, sem outra alternativa, determino que o apenado seja liberado da casa prisional em que se encontra, em permissão especial de saída, pelo prazo de cinco diassalvo se por outro motivo estiver recolhido no regime fechado, período no qual deverá apresentar-se à SUSEPE (endereço: Rua Voluntários da Pátria, nº 1358, 4º andar, Centro, Porto Alegre/RS) quando então deverá ser encaminhado pela administração penitenciária a casa prisional compatível com o atual regime de cumprimento de pena.

Frente ao panorama apresentado, a concessão de permissão especial de saída da casa prisional de regime fechado se mostra fundamental, uma vez que manter presos no regime mais gravoso, indevidamente, além de violar direitos básicos garantidos constitucionalmente aos apenados, gera consequências em “efeito cascata” por todo o Sistema Prisional, mormente porque o preso do semiaberto ocupando lugar no regime mais severo provocará o represamento nas Delegacias de Polícia, pois, igualmente, não existem vagas no regime mais rigoroso.

Além disso, sabe-se que:

・    não se afigura legal deixar o condenado indefinidamente no regime fechado, ainda mais quando casas desse regime também operam muito acima da sua capacidade de engenharia;

・    o TJ/RS, majoritariamente, não tem aceito o sistema de monitoramento eletrônico como alternativa à falta de vagas no semiaberto;

・    o TJ/RS, também majoritariamente, não tem deferido prisão domiciliar para presos do regime semiaberto, tendo por justificativa a falta de vagas;

・    as partes, advogados e familiares, comparecem todos os dias neste Juizado querendo uma solução, não aceitando como resposta que “o problema da falta de vagas é do Poder Executivo” e não do Poder Judiciário. Afinal, o condenado está recolhido por decisão judicial;

・    este Juízo não tem o que fazer com o preso até serem criadas as vagas necessárias;

・    as decisões judiciais até agora proferidas, determinando o recolhimento em casa de semiaberto, inclusive a que condenou o Estado a abrir e criar vagas, não geraram os espaços necessários ao abrigamento dos condenados, uma vez que se trata de questão de fato, e não de direito.

Assim, oficie-se à SUSEPE, devendo constar ainda que caso o condenado não se apresente nestes cinco dias, contados da sua soltura, deverá ser registrado como foragido, com imediata comunicação a este juízo.

Na liberação, o Diretor da casa prisional deverá cientificar, expressamente, o preso das condições fixadas, bem como de que será considerado foragido na hipótese de não apresentação no prazo, colhendo a sua ciência, com posterior remessa a esta vara.

Outrossim, com a apresentação do apenado à SUSEPE, após o término da permissão de saída, persistindo a inexistência de vagas no regime semiaberto, deverá ser imediatamente incluído no sistema de monitoramento eletrônico (tornozeleira eletrônica), cuja medida encontra respaldo fático e jurídico no recente julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 641320, em que foi enfrentado tema de repercussão geral com matéria correspondente à tratada nesta decisão.

Na hipótese de inclusão do apenado no sistema de monitoramento eletrônico, deverá cumprir as condições a seguir:

  1. a) Não poderá o apenado se afastar de sua residência no período compreendido entre 19h e 07h;
  2. b) A zona de inclusão do monitoramento eletrônico será de até três quadras da residência do apenado, não podendo dela desviar, sob pena de transferência para o regime fechado por até 90 dias (Provimento 01/2009 da VEC/POA);
  3. c) O rompimento ou danificação do equipamento (tornozeleira) ensejará a regressão de regime, o que obstará nova inclusão no sistema de monitoramento eletrônico.
  4. d) O monitoramento terá duas rotas de locomoção, permitindo dois deslocamentos semanais, sendo uma para SUSEPE e outra para a VEC;
  5. e) Os dias de saídas temporárias serão informados pelo apenado antecipadamente à SUSEPE, lapsos em que a zona de inclusão será ampliada para a do município;
  6. f) Deverá o apenado, no prazo de 90 dias, comprovar execução de atividade laboral lícita, caso em que a respectiva homologação implicará inclusão definitiva no sistema; do contrário, será o apenado desligado do sistema de monitoramento eletrônico e recolhido em estabelecimento prisional do regime compatível.

Comunique-se a presente decisão ao Departamento de Monitoramento Eletrônico (dme@susepe.rs.gov.br <mailto:dme@susepe.rs.gov.br>) e ao Departamento de Controle Legal (dcl-tornozeleiraeletronica@susepe.rs.gov.br <mailto:dcl-tornozeleiraeletronica@susepe.rs.gov.br>) por meio de ofício.

O período em que o apenado permanecer sob monitoramento eletrônico, assim como aquele correspondente à permissão de saída, serão tomados como pena cumprida.

Retifique-se a guia de recolhimento, inclusive a data-base para o dia da presente decisão.

Juntem-se os documentos acostados ao PEC.

Intimem-se.

Em 03/06/2016.

Sidinei José Brzuska,

Juiz de Direito.”